11 de junho de 2015

Portugal no mar Negro de olhos postos nos russos

Por sete mares, ou quase, há de andar até ao Natal o contra-almirante português que esta segunda-feira assumiu o comando de uma das forças navais permanentes da Aliança Atlântica. Mediterrâneo, Negro, Báltico, do Norte, da Escócia, Atlântico. Aos 55 anos de idade, 37 de Marinha, Alberto Manuel Silvestre Correia está de volta ao mar. Tanto mar.

Conta o militar português em entrevista exclusiva ao Expresso, concedida a bordo da fragata lusa “D. Francisco de Almeida”, que juntamente com a holandesa “Tromp” formam a tal força permanente neste segundo semestre do ano, que por onde passarem juntar-se-ão navios de outras marinhas da Aliança. E realizarão diversos exercícios. Mas, afinal, o que é a SNMG1?

A resposta surge na ponte da “D. Francisco de Almeida”. Por aqui há de estar o contra-almirante português longas horas durante os próximos seis meses e meio. Não a comandar o navio, entenda-se, mas toda a força naval. Já agora, ao comando do NRP (Navio da República Portuguesa) com o número de amura F334 estará o seu irmão, capitão-de-fragata Manuel Silvestre Correia, seis anos mais novo. Mas essa é outra história. “Puramente acidental”, garantem. Mas ouçamos a resposta: o que é a SNMG1?

A conversa prossegue vários decks abaixo no centro de operações. Muito do que vai acontecer há de passar por aqui. De olhos postos nos ecrãs, sempre na penumbra, os militares seguem a par e passo tudo o que acontece no exterior. A muitas milhas de distância. “Nunca somos apanhados desprevenidos, a não ser que surja um submarino que não tenhamos sido capazes de detetar. É muito difícil surpreender um navio de guerra com alguma coisa que se esteja a passar à sua volta”, afirma o militar especialista em luta anti-submarina.

Sem esquecer, pela dimensão e relevância, o megaexercício Trident Juncture, em que a SNMG1 há de participar lá para o outono, o contra-almirante Silvestre Correia destaca a ida para o mar Negro, já em julho, onde participará em dois exercícios militares conjuntos com as marinhas romena, búlgara e turca.

Será a primeira vez que uma fragata da Armada portuguesa navegará por estas paragens numa fase de especial tensão diplomática entre os membros da Aliança Atlântica e a Rússia, que concentra nestas latitudes uma parte considerável do seu poder naval, a operar desde a base de Sebastopol, na anexada península da Crimeia.

Mas comecemos pelo fim. O que é Trident Juncture?

Durante os 21 dias que vão passar no mar Negro, Silvestre Correia admite que terão a companhia de “meios navais e aéreos da Rússia”, o que aliás já aconteceu em Março deste ano com a outra força naval permanente da NATO, igualmente formada por navios escoltadores no mais elevado grau de prontidão, a SNMG2.

“Quando estamos numa área que não nos é particularmente pacífica temos as nossas defesas mais alerta. Mas estamos habituados a trabalhar sempre no máximo das nossas capacidades. Por isso é que a vida a bordo de um navio de guerra é uma azáfama permanente.”

Esta entrevista terminou com o militar que em 2011 liderou a força naval da União Europeia (EUNAVFOR) na operação Atalanta, de combate à pirataria no Índico, a passar em revista 37 anos de Marinha. Filho de um oficial do Exército, entrou para a Escola Naval aos 18 anos. “O meu pai nunca me incentivou a ser militar e tanto eu como o meu irmão fazemos esta vida”, conta, para logo a seguir recuar ao pós-revolução de Abril.

“Os anos de 1976-77 ainda foram muito quentes e fiz exame ao [Instituto Superior] Técnico e à Escola Naval. Na altura de me inscrever fui ao Técnico e aquilo era anúncios de greves por todo o lado, tudo sujo. Fui mal atendido pelo pessoal da secretaria e vim à Escola Naval. Ainda não havia alunos, ainda não tinham acabado os exames, e já havia horários. Estava tudo arrumadinho, enceradinho...”

De uma vida passada entre gabinetes (é o comandante da Flotilha, estrutura responsável pelo aprontamento de todas as unidades operacionais) e diversos navios (comandou diversos patrulhas, a fragata “Vasco da Gama”, foi imediato da corveta “Afonso Cerqueira” e da fragata “Álvares Cabral”), não esquece a passagem, ainda jovem oficial, pelos mares dos Açores.

“Das missões mais gratificantes que tive foi numa comissão que fiz na zona marítima dos Açores em que éramos a única entidade capaz de transportar géneros alimentícios, álcool, gazes esterilizadas, algodão, para o hospital das Flores porque mais ninguém lá conseguia ir senão nós.” Águas passadas.

Sentado na camarinha do comandante, onde ficará alojado enquanto estiver a bordo da “D. Francisco de Almeida”, obrigando o seu irmão a tomar de assalto o camarote do imediato (“é assim a vida”... militar, em que a hierarquia é imune aos laços de sangue), confessa que já não estava à espera de voltar ao mar. Regressará a casa lá para o Natal. Saudade. (Expresso)

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